Agarro a luz e a esmigalho em minha m?o e a torno pó, que espalho ao vento da tempestade, sementes de a?o e lembran?as e sonhos que lan?o. Cansei de esperar que a escurid?o se canse de si mesma.
O mundo parou ao ver o céu em chamas, como se uma guerra imensa explodisse acima das nuvens.
Os anjos caídos da era anterior choraram, ressentidos. Sabiam o que estava para acontecer, e isso fazia com que suas dores aumentassem ainda mais.
Masriel bem que gostaria de ir receber os irm?os que logo estariam se precipitando, mas havia uma dor t?o grande, n?o somente em si, mas em todos os outros que estavam sobre as montanhas, que emitiu um lamento t?o doloroso que calou o mundo.
Os homens e as pessoas se puseram silenciosos e receosos em suas toscas cabanas e nas cavernas e em seus abrigos rudimentares, de onde ficaram a observar o céu apenas por pequenas e discretas frestas.
E ent?o tudo se precipitou.
O céu se encheu de gritos e lamentos, e inúmeras bolas de fogo dele se despregaram em dire??o à terra, como terríveis lágrimas incandescentes.
Pacientemente ficou aguardando, examinando cada lágrima de fogo que se precipitava contra a terra.
De repente sentiu uma concuss?o incomum, como se algo de grandes dimens?es, ou poder, houvesse atingindo aquele planeta.
Em silêncio subiu, os olhos procurando o lugar de onde viera aquela concuss?o, até que achou uma montanha duramente atingida, n?o muito distante de onde estivera.
- Ah, ele chegou – saboreou, vendo um enorme anjo em forma dahen se elevar no topo fumegante de um monte, para onde se dirigiu. – O Lúcien chegou nessa terra maldita – exultou.
Com cuidado, pois as rea??es de um recém-caído eram muito imprevisíveis, Masriel flutuou até estar à poucos metros à frente de Lúcien.
- Lúcien o justo – o vigilante cumprimentou com uma pequena reverência. – Ou devo chamá-lo de Lúcien, o injusti?ado? – a?oitou, tendo o cuidado com o tom da voz para n?o provocar uma rea??o indesejada. - Sei bem o que sente – falou, a cauda drapejando no vento que rodeava a montanha.
- N?o, n?o sente! – ouviu a voz dura e poderosa. - Você é um maldito caído, que se for?ou a tomar uma posi??o contra uma das cria??es do Trov?o. Uma posi??o contrária tomada a esmo, sem qualquer inten??o que n?o a revolta.
Masriel mordeu o lábio inferior, refreando sua vontade de reagir com vigor àquela fala arrogante, ainda mais sendo dirigida contra ele.
- E você? Escapou da primeira queda, logo após a queda de Lúcifer. Mas foi perseguido por Miguel e suas hostes, e agora eles o encontraram e o precipitaram para a terra. Tem certeza de que n?o se tornou um vigilante?
- N?o sou um vigilante – contestou com uma voz fria e impessoal. - Fui leal ao Trov?o, mesmo aparentemente sendo contra ele. A verdade é que ele está enganado pelos outros irm?os, que o voltaram contra mim e os meus.
- Ora, e por que fariam algo assim? – Masriel perguntou, tendo o cuidado de tirar o sarcasmo de sua voz.
- Porque se enciumaram do poder que obtive por mérito. Fui traído, e é só...
- O grande ego o denuncia, como denunciou Lúcifer – acusou com desdém.
Masriel o observou se descolando das sombras das grandes rochas que estilha?ou da montanha quando caiu e espalhou a esmo pelo topo, muitas delas totalmente enegrecidas. Examinou suas inten??es, e n?o se sentiu em perigo com sua aproxima??o. O poder dele era muito grande. Até mesmo o ar parecia crepitar. Viu seus olhos, e avaliou o quanto ele o observava com desconfian?a.
- Ego, o que sabe sobre as coisas, caído? Honra, n?o ego – corrigiu parando a poucos metros à sua frente, os olhos observando com interesse o mundo. – N?o houve honra em sua queda. Você e os seus apenas quiseram se aproveitar dessa cria??o, n?o é? – Lúcien alfinetou, já mostrando algum cansa?o naquela conversa.
Support the creativity of authors by visiting Royal Road for this novel and more.
- E há na sua?
- Fomos enganados, e sei quem nos enganou...
- Enganado, você? Se foi assim, ent?o acha que foi Trevas? Ou, talvez, foi Escurid?o? Ou, por um acaso, acredita que tenha sido um de seus dem?nios ladinos e maliciosos, que sabem bem como aquecer um leito? – perguntou examinando os olhos que estavam, agora, definitivamente atentos aos seus.
- Eles n?o poderiam falar aos nossos espíritos – recha?ou com uma amargura transparecendo na voz, voltando-se claramente para o dem?nio, os olhos se inflamando, a m?o no cabo da espada. Os dem?nios n?o poderiam se aproximar tanto assim.
- Ah, Lúcifer ent?o?
- Também n?o foi ele, e isso porque eu sei – declarou, a voz agora com uma nota de amea?a.
Subitamente Masriel viu o quanto sua posi??o era preocupante. Já vira Lúcien em batalha. A velocidade com que atacava quase sempre era morte certa para o seu oponente. E de nada adiantaria se ele ainda estivesse com a espada embainhada.
- Ah, entendo... Ent?o, acredita que fomos nós? – resolveu esclarecer de vez a situa??o.
- Eu acredito muito nessa possibilidade.
Mariel ficou em silêncio avaliando o anjo. Ent?o decidiu que ele já tinha conhecimento do que realmente acontecera.
- Está certo! Sabe, Lúcien, nós fomos os primeiros a enxergar que o Trov?o foi enganado pelos irm?os traidores e pelas pessoas. Tentamos...
- A velha lenga-lenga. N?o cola... – falou dando um passo lentamente em sua dire??o.
- é mesmo? E o que os levou a procurar os homens e as pessoas, e neles gerar descendentes? Nefilins, dahrars, arquis, ... Uma boa leva de cria??es... N?o pensou que talvez o Trov?o tenha ficado descontente com isso?
- Trov?o n?o se importou com os primeiros nefilins...
- Ah, sim, n?o se importou.... Mas aqueles eram poucos, e apenas com humanos. E era como... novidade, curiosidade. Novas experiências.... Mas, depois, tudo foi se agudizando, tomando uma propor??o enorme, cheio de lascívia e domina??o. E vocês se recusaram a ouvir os alertas... Se julgaram intocáveis? – sorriu compreensivo. – Mas sim, foram os nossos sussurros que ouviram, porque foram nossas vozes que procuraram. Expusemos as verdades que se diziam às escondidas: Trov?o ama mais os homens que a nós. E vocês quiseram provar que n?o, n?o é mesmo? Agora est?o convencidos? Ele os protegeu de vocês... Vocês procuraram a destrui??o dos bonecos – acusou com a voz gentil e maviosa.
> Masriel, Masriel... Dizem que a escurid?o n?o germina na luz... Já havia esse desejo em vocês, de experimentar a escurid?o...
- E n?o vê esse desejo em vocês? N?o vê esse desejo em você?
- Seria, se é que podemos chamar de escurid?o a preocupa??o que temos quanto ao UM.
Masriel ouviu a voz antes poderosa titubear levemente, e soube que ele acabara de denunciar a dúvida que o assaltava. Com um suspiro viu que sua m?o saia da espada, e que ele observava o mundo com modos pensativos.
- O que você quer, Lúcien? – perguntou tentando refor?ar o sentimento dele naquele momento. – O que realmente deseja?
Lúcien ficou em um teimoso silêncio, que Masriel n?o ousou interromper. O recém-caído cismava, os olhos postos no céu e além dele. Masriel viu o momento exato em que Lúcien aceitou a sua condi??o de permanente queda.
- Por que estava esperando por mim? Por que me chamava em seus sonhos, vigilante? – perguntou sem se virar para ele.
- Há anjos de poder nesse mundo, anjos impartidos - falou. – Lázarus, que antes se chamava Sênior, foi o que matou Lúcifer...
- Bem sabe que Lúcifer n?o morreu – interrompeu com frieza e indiferen?a.
- Sim, eu sei. Mas, na essência, foi Sênior que destruiu umas das encarna??es de Lúcifer, se isso te deixa mais confortável – falou sem esconder que se sentira mal com a reprimenda, que o fez parecer um ignorante. – E o outro, t?o perigoso quanto ele, é Gadhiel, que foi Dam?ni. Ambos est?o neste mundo, neste aqui, neste agora.
- E você os teme...
- S?o impartidos. Em algum momento sei que eu e os meus vamos acabar topando com um deles. Devemos nos unir – afirmou. - Somos apenas um, somos irm?os na desdita, na queda.
- E o que pretende, que o faz temer se mostrar?
- Uma guerra. Eu quero chamar uma guerra contra aqueles que tomou o amor que o Trov?o tinha por nós...
Lúcien examinou o caído, e ficou se perguntando se, com o tempo correndo nesse lugar pesado, também iria cair no esquecimento, quanto mais se afundava na experiencia da dualidade. Já vira muitos caídos se perderem. Suspirou, suspeitando e acabando por aceitar que aquele parecia ser um destino à sua frente. Ent?o – sorriu, - por que n?o preparar o terreno?
- E por que n?o fez nada até o momento?
- Ora, porque estamos proibidos de fazer mal a esses malditos bonecos e...
- Sim, estamos impedidos, diretamente.... – interrompeu com tranquilidade. - Mas, podemos ter aliados...
- Como? – perguntou com estranheza.
- Ora, n?o vê? Vocês já experimentaram esse caminho... E se os inimigos dos traidores forem gerados nas entranhas desses bonecos? Isso n?o seria bom?
- Ah, sem dúvida que será muito bom – saboreou Masriel, maravilhado com a simplicidade daquela linha de a??o, enquanto se perguntava por que n?o vira isso antes. Ent?o, com um sorriso satisfeito e maldoso ficou imaginando uma grande e maldosa praga se espalhando pela terra. – Mas, e quanto à Gadhiel e Lázarus?
- Caso tenha se esquecido, há um código que eles têm que respeitar... – sussurrou.
Há fortes indícios de que Lúcien seria um fractal de Lúcifer, informa??o que Lúcien deixou escapar em uma ocasi?o, quando se encontrou com Lázarus.
Referência a um anjo impartido, protagonista dos volumes “Memórias de um deus”.
Referência ao código dos caídos.