Qu?o pobre é a pris?o em que me encerrou. Sou livre!
I
Todas as sensa??es estavam exacerbadas. O ar parecia vivo, como a água parecia mais fria quando foram mergulhados nela.
Com pesado desanimo Escurid?o olhou Trevas no momento em que foram colocados no pequeno templo sob as águas escuras e frias do lago.
Correntes de luz formaram figuras por toda a volta, formando amplas celas individuais em torno de cada um. Resignado, Escurid?o sentiu um torpor se irradiar por todo seu corpo.
Experimentou, e viu que podia estender sua percep??o para além do lago, mas tudo ali estava vazio. N?o havia nada, nenhuma vida em que se fixar. Ent?o olhou para o arquianjo. Apesar dele ter diminuído em muito seu poder, sabia que, mesmo assim, nem todas as for?as combinadas poderiam lhe fazer frente.
Percebeu, pelo canto dos olhos que, tal como ele, também Trevas estava voltado humilde e silencioso para o arquianjo, aguardando.
Havia aqueles olhos, aqueles modos gentis. Estavam aguardando dura puni??o, mas havia apenas aquela paz. Estranhou n?o ver isso nele como uma fraqueza.
Os dem?nios n?o viram repreens?o naqueles olhos, nem ouviram palavras de admoesta??o. Ali havia apenas esperan?a, flutuando como sementes de luz.
Indecisos, fecharam os olhos, recusando-se a ver o que lhes era oferecido. Em seus cora??es havia um temor, que logo trataram de extirpar.
- N?o nos ofere?a o que n?o queremos – Trevas sussurrou para o negror que seus olhos fechados lhe dedicava.
- A possibilidade sempre está ao alcance – ouviram o sussurro, que encheu suas almas de uma paz esquecida.
Quando abriram os olhos apenas havia o vazio impessoal e escuro do lago, e um silêncio aterrador que, sabiam, tinha ordens para durar por tempos longos demais.
Depressa se esfor?aram em tirar de suas mentes a vis?o e a voz do arquianjo, gritando em suas celas impropérios à vida e ao Trov?o, o que os fez se sentirem um pouco melhor.
II
Imensas e altíssimas cadeias de montanhas estéreis, tudo vazio sob um céu cinza onde um vento cruel vivia. Os dem?nios se viram, repentinamente, presos naquele lugar, o espanto em cada cara grotesca. As bocas se abriam e os olhos vermelhos e amarelos em frestas procuravam abobalhados entender o que acontecera. Com uma velocidade estonteante, como se n?o houvesse diferen?a de tempo em que estavam, viam cada vez mais dem?nios sendo empurrados para dentro daquele mundo.
Até que, parado no céu tumular, deram com uma luz terrível pairando no alto ao lado de um imenso dem?nio em forma de um manto escuro e sujo, que parecia adormecido.
é o Mercator, ouviram um grito estupefato.
Aquele é o arquianjo, gritaram vários outros em total panico, se pondo céleres fora das vistas. Os mais idiotizados dos dem?nios gritaram e ficaram zanzando apressados, indo e voltando como se n?o soubessem onde se esconder de tal poder, incapazes de saber como deveriam reagir ante aquela vis?o estranha.
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Ent?o, como se despertos, ou atendendo a um comando que n?o podia ser ouvido naquele mundo, lentamente e aos berros foram se afastando.
O arquianjo voltou-se para o dem?nio Mercator, um olhar avaliador, pensativo.
Por fim, demostrando ter se decidido, se afundou para o leste onde, muito distante, numa ilha no meio de um mar fétido de am?nia, instalou uma larga pris?o incorruptível em volta do pico do único monte que lá existia. Com um sinal tornou o local desconfortável para qualquer aproxima??o, só deixando aberta uma possibilidade para grandes poderes, que ali n?o encerrara.
Subitamente, como se arrancado de seus devaneios, Mercator o observou.
- Deveria ter me dissolvido!
- Pensei! Mas, seria apenas uma terrível dor, porque nada pode ser dissolvido, porque tudo é o UM. Mas, sua miss?o n?o está terminada, nem mesmo determinada. Você tomou um caminho que o levará para longas viagens, em um tempo que somente poucos podem medir. Haverá muita dor e desespero em seu caminho, mas haverá vitórias que o encher?o de orgulho. Seu momento de retornar ao pai come?ou, minha crian?a. Assim está escrito! – declarou, sumindo velozmente no céu plúmbeo.
III
Denatiel e Nemaiel viram quando o arquianjo tomou os dois, Trevas e Escurid?o, e os tirou de suas vistas. No momento entenderam o que havia acontecido e humildemente se afastaram da batalha, ordenando que todos recuassem para uma grande montanha e guardassem as armas.
Com uma velocidade absurda nunca antes presenciada em nenhum reino viram o arquianjo tomar os dem?nios e os lan?ar para um buraco criado no espa?o, que sabiam, estava ligado com planetas pris?es.
Em silêncio respeitoso viram quando as águas do grande lago explodiram assim que o arquianjo penetrou nelas com velocidade, levando consigo dois grandes dem?nios, que viram se tratar de Trevas e Escurid?o.
Quando voltou estava só.
Ent?o o viram num estampido vir com Mercator, que parecia atordoado, como se estivesse preso numa constante cantilena interna, e ultrapassar o buraco por onde havia lan?ado os dem?nios, sumindo de vista.
Quando retornou, novamente estava sozinho, e o viram, de longe, observando-os.
Nunca se sentiram t?o envergonhados.
Lentamente os anjos o viram se aproximar até uma distancia segura por causa de seu imenso poder.
- Fui enviado a vocês – falou, faiscando leves plumas, que se revolvia pelo bater suave de seus três pares de asas. – Tup? n?o aprovou a conduta dos dem?nios, e eles est?o encerrados em quatro planetas, que s?o proibidos a vocês, como também n?o aprovou a barbaridade em que vocês próprios se envolveram. Os dois comandantes dos dem?nios, Trevas e Escurid?o, est?o apartados aqui nestas montanhas, em um templo submerso que construí para eles no fundo do lago do jaguar. Mantenha-os lá, proteja-os lá.
- Por que n?o foram levados para o planeta deles? – perguntou Denatiel, a voz suave e curiosa.
- Porque o destino deles está ligado, de alguma forma, a este planeta, e a vocês e às criaturas que ainda ir?o aqui vingar. O papel deles na cria??o n?o está terminado.
- E quanto a Mercator? Há informa??es dele e do arcanjo...
- Os dois se permitiram e aceitaram isso, que n?o está em nós alguma decis?o quanto a isso – revelou com suavidade, o que apaziguou as dores dos anjos e fez com que se aquietassem.
- Ent?o, está terminada esta guerra?
Com leveza o arquianjo se aproximou mais, diminuindo ainda mais a própria luz para que fosse suportável aos anjos e arcanjos.
Ao levantarem os olhos viram o belo arquianjo, e seus cora??es se encheram de maravilhas e a emo??o tocou o cora??o de todos.
- O deus Trov?o está triste com suas criaturas, porque esta guerra trouxe à tona o que de pior há em seus cora??es. Pode-se lutar por uma ideia, por um sonho, pela justi?a ou por qualquer outra coisa que seja correta e fale ao cora??o, mas n?o se pode usar isso para deixar o cora??o se comprazer no que de mais duro e cruel ele pode produzir – admoestou com carinho, que sabiam que tinha também utilizado com os dem?nios.
> Assim, por decis?o do deus Trov?o, as criaturas ficar?o sós, a partir deste momento, porque n?o encontrar?o mais o deus Trov?o, mesmo que vasculhem até a menor das fagulhas de luzes.
Os anjos e arcanjos, t?o chocados ficaram, que baixaram novamente a fronte, envergonhados e assustados. Sem Tup? no multiverso, como seria?
- Quem ficará tomando conta da cria??o? Vocês, arquianjos? – perguntou Nemaiel, a voz trêmula de receio.
- Vocês, porque sós estar?o!
Sem qualquer aviso a luz aumentou e desapareceu.
Sobre a alta montanha gelada os anjos e arcanjos olharam a terra e os céus, e choraram sentidos, uma imensa saudade de um deus desaparecido sufocando seus cora??es.