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NUNCA PENSEI QUE EXISTIA ALGUÉM ASSIM

  N?o sei porque surgiu e destruiu o mundo com que eu me acostumara. O que sou nesse novo mundo que você fez surgir?

  Uivo estava extasiado.

  Já ouvira estórias de Allenda, de suas batalhas ao lado do pai, quando sua família fora atacada por magos de terras longínquas. Nunca dera importancia a isso, até esse dia.

  Voltou novamente sua aten??o para Adanu e sorriu, se sentindo até mesmo tocado. Ele estava ainda mais aéreo, como se toda sua realidade estivesse em suspens?o. Ele saboreava o momento, Uivo percebeu. Se acaso ele fosse atacado naquele momento, por mais violento que o ataque fosse, tinha certeza de que apenas abanaria a m?o como se fosse um ataque de abelhas, e manteria a aten??o na presen?a de sua filha, tentando se convencer de que n?o estava sonhando, até cair morto, os brilhos abandonando sua vida.

  - Lá... – alguém sussurrou, o que foi ouvido por todos, tal o silêncio que a tudo cobria.

  Era um lume que avan?ava pelo meio da floresta e estava muito próximo da borda. Vinha lento e constante, como se estivesse pensativo.

  - Ent?o ela está voltando, a filha de um curupira e de uma manira. Ela deve ser incrível – ouviu um suspiro ao seu lado, vindo de um lobisomem que confidenciava para um outro.

  - Dizem que ela n?o pode virar os pés, como os curupiras – suspirou o outro.

  - Deve ser por causa da m?e – sussurrou o primeiro.

  Em expectativa, Uivo, tal como todos os outros, ficou vendo a luz refletida na copa das árvores, lentamente, como se estivesse pensando, cada vez se aproximar mais da borda da floresta enquanto, a luz refletida se mostrando progressivamente mais forte. Ent?o, para surpresa de todos, o avan?o parou, parecendo que titubeava, talvez indecisa se era isso mesmo que queria, como se se perguntasse se aceitaria mesmo abandonar tudo o que se tornara para encontrar o que já abandonara há muito tempo.

  Virou o rosto e encarou Adanu, e sentiu seu cora??o doer, ao ver tudo o que revolvia no curupira. Em respeito à dor que nele vira tirou rapidamente os olhos dele e os voltou para a floresta.

  O cora??o de Uivo bateu forte, a respira??o suspensa, como suspensos estavam todos que a aguardavam.

  - N?o desista – sussurrou em pensamentos só para si. – Sei que tem medo, que tem receio, mesmo que negue isso – soprou na dire??o da floresta. - Mas, veja: todos est?o aqui, seu pai está aqui, e o cora??o dele está parando, aguardando seu calor e a batida do seu, para ent?o poder continuar.

  Ent?o, como um suspiro, viu a luz crescer suavemente nas copas das árvores, retomando o caminho.

  Se alegrou por isso.

  De súbito a luz pareceu explodir e, sem poder explicar, se sentiu muito feliz: a imagem daquela mulher surgindo das sombras da floresta foi como algo mágico pelo qual n?o esperava. Maravilhado com a vis?o a seguiu com cuidado, vendo-a se tornar maior a cada passo que dava, se revelando, linda como nunca vira igual. Altiva e tranquila, caminhando como se tivesse encontrado a paz de que tanto necessitava. Com a alma enlevada acompanhou enquanto ela avan?ava majestosa e simples pelo campo e, depois, pelo meio do povo, os olhos presos no pai, como se ninguém mais estivesse ali, a n?o ser ela e o pai.

  Uivo n?o pode deixar de se alegrar ao ver o enorme sorriso na cara de Adanu, totalmente concentrado na filha.

  Os dois brilhavam em brasa, com suas tatus parecendo linhas de fogo. Era, realmente, uma vis?o que o comoveu de uma forma como n?o poderia ter esperado.

  Na vis?o abandonada daquele ser se deixou, esquecido de tudo o mais.

  Sem querer se pegou suspirando. N?o pode deixar de sorrir, ao ver que n?o era o único que se sentia assim.

  Com prazer sentiu a brisa criar vida novamente, com prazer enrodilhando folhas caídas, movendo com gentileza galhos que moviam troncos, numa dan?a hipnótica, brincando naqueles cabelos de milho e esvoa?ando-os com gra?a e leveza, emprestando ainda mais magia àquele momento.

  Como se em sonhos a viu parar, os olhos presos nos olhos de fogo do pai, na trilha em brasa que, suave, descia deles. Um sorriso intenso se desenhou em seu rosto, seu brilho sem controle aumentado, as linhas arabescadas como gavinhas se tomando de um rubor gentil e pensativo.

  - Eu voltei, pai – a ouviu falar baixando a cabe?a enquanto se ajoelhava, numa voz que, sabia, n?o conseguiria esquecer facilmente.

  Um silêncio imenso e respeitoso a tudo envolvia, todos os seres atentos aos dois.

  Viu quando Allenda levantou os olhos para o pai que era só sorrisos, e que n?o conseguia falar, suas tatus rubras como brasas que o vento fortalecia.

  > Que bom te ver novamente, pai.

  - Que bom te ver novamente, Allenda. Estou feliz agora – o viu conseguir falar a muito custo, a voz meio entornada.

  - Eu também, eu também... Ainda mais sabendo que iremos juntos à guerra – ela falou se levantando em toda sua altura, o brilho esmaecendo lentamente.

  - Essa é a parte que me entristece – sorriu junto Adanu, que agora parecia controlar o seu brilho.

  - Sei disso, pai, mas vai superar. Fui feita para a guerra – a viu sorrir, enquanto entrava acampamento a dentro, acompanhando os outros conselheiros, que foram assumindo seus lugares na larga pedra, de frente para os que lá estavam.

  Ainda pensativo, preso nas imagens, Uivo apenas ouviu, como se fosse ao longe, que seu pai e mentor, o pajé Tenebe, fora convocado para fazer parte do conselho como observador, o que ele aceitou.

  Sorriu.

  Voltou a si quando Tenebe surgiu no meio do povo.

  Ele trajava apenas sua costumeira tanga, que quase lhe chagava aos joelhos, deixando ver seu corpo magro e ossudo. Seu rosto era encovado emoldurado por cabelos brancos e longos. Em sua m?o o cajado velho e recurvo de goiabeira, cheio de nós, que nunca abandonava.

  Tenebe parou aos pés da eleva??o de onde, respeitosamente, cumprimentou a todos do conselho com um leve movimento da cabe?a. Uivo anotou as fei??es do tutumarambá Dene-dene que, apesar de retribuir o cumprimento do anci?o, parecia reprovar com veemência tanta importancia dada para os humanos, pois os considerava muito inocentes e seres perigosamente curiosos, apesar de parecer reconhecer que, por várias vezes, os conselhos e observa??es do velho homem se mostraram muito úteis.

  Tenebe era o curandeiro e mago de uma das maiores aldeias tupi da regi?o, localizada mais para o interior das serras do noroeste, onde ficavam as frias florestas de neblina. Sua fala firme e tranquila, seus pensamentos organizados e suas observa??es muito apropriadas trouxeram para ele um grande respeito dos seres, o que parecia n?o afetá-lo. Sua aparência ossuda e seus modos ágeis pareciam refor?ar a for?a de sua presen?a.

  Assim que Tenebe assumiu seu lugar dentro do conselho, Uivo mudou de lugar, se aproximando do velho mago, tendo o cuidado de n?o ficar dentro da área do conselho.

  Ele era como um pai, apesar de insistir em querer transformá-lo em um mago. Mesmo com toda sua resistência e pouco caso aos seus ensinos mágicos, ele insistia, o que n?o deixava de ser divertido. Em todo o caso, se havia algo que aprendera com o velho humano era que todo conhecimento era bem-vindo.

  Sua aten??o logo foi pega quando viu a drusa verde de Dene-dene ser posta à vista.

  – Agora veremos o que as harpias descobriram sobre os invasores – o ouviu declarar, virando-a para si. – Essa é a drusa do conhecimento, que as harpias levaram para a borda das montanhas, onde a invas?o está se desenvolvendo. O que elas observaram está aqui.

  Com um passe desenvolto uma luz verde se levantou do interior da pedra como uma neblina. Havia sussurros dentro daquela nuvem, e imagens e sugest?es de imagens.

  Sob os olhares atentos as imagens foram se tornando mais nítidas. Como um filme foi se desenvolvendo, mostrando os pontos mais importantes do que as harpias haviam presenciado.

  As faces dos conselheiros, que ainda n?o tinham conhecimento da marcha das harpias, a cada imagem mostrada iam ficando mais tensas, enquanto os outros conselheiros os colocavam a par dos acontecimentos desde que souberam da amea?a dos dem?nios das montanhas e de seus dominados. Os rostos vincados e amarfanhados pelas eras vincaram-se e aprofundaram-se ainda mais.

  Dentro da luz verde puderam ver as imensas hordas dos inimigos aos pés das montanhas, e como estavam come?ando a se alastrar para dentro das terras baixas. Sons de revolta e bravatas se levantavam, como amea?as aos seres estranhos que de quando em quando apareciam na luz verde.

  O sol escorregou pelo topo do mundo, medindo o tempo que se ia.

  Dene-dene tirou os olhos dos semblantes dos conselheiros e se deixou distrair com aquele ajuntamento e com aquele burburinho, que parecia até festivo. Devagar passeava os olhos pelo ajuntamento quando deu com um estranho nefelin no meio do conselho, perto de Tenebe.

  Dene-dene estranhou sua presen?a ali, dentro do conselho, como se se sentisse convidado para ser um conselheiro no conselho de guerra. Já o vira antes, quando o conselho dos anci?os se reunira alguns dias antes, para apreciar as informa??es dos espi?es que haviam sido enviados para trazer mais informa??es dos preparativos da invas?o daquelas terras. Claramente via tratar-se de um híbrido, uma raridade, nascido de uma uni?o improvável, segundo alguns poucos.

  Dene-dene, após ter visto um aparte anterior do jovem no conselho dos anci?os, que quase acabara em confronto com um lobisomem, procurara saber dele, e teve receios de problemas à frente. Ele parecia aguardar o início da reuni?o, o que o deixou incomodado, como incomodava muitos outros também, percebia. N?o havia nada que justificasse sua participa??o num conselho.

  O marambá o examinou disfar?adamente por mais algum tempo.

  - Por que o jovem nefelin está reunido com o conselho de guerra? Há algum feito memorável que n?o nos informaram, que o qualifica, humano? - perguntou se dirigindo ao velho mago. – N?o ouvi seu nome ser anunciado para ser um conselheiro.

  O burburinho foi cessando, todos se voltando para observar o nefelin e o velho mago.

  Uivo sorriu sem gra?a. Sem se aperceber se aproximara demais e entrara na área do conselho.

  - Me desculpe... Me aproximei sem querer – falou fazendo uma mesura, pronto a se afastar.

  - A culpa foi minha, e pe?o desculpas – falou Tenebe. - Ele está sendo treinado para me suceder – justificou para o conselho. – Ele apenas se distraiu.

  - Eu sei que foi assim – Adanu interrompeu. – Eu o conhe?o de longa data, e todos aqui o conhecem. Distra??o é normal... - sorriu.

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  - Será uma distra??o ou uma presen?a imposta? – reclamou o anaquera Otenv, um perigoso brilho rondando seus olhos. - Sabemos que é um raro nefelin. Dizem que é um caso raro de um puma das montanhas, apesar de n?o se parecer com eles.

  Uivo parou e voltou seus olhos para o anaquera.

  Adanu prestou aten??o em Otenv, receoso que houvesse confus?o, pois todos sabiam da intensa animosidade permanente entre Anaqueras e lobisomens e on?as.

  O anaquera passou os olhos pelo nefelin, como se fosse algo desprezível, denunciado pelo seu sorriso maldoso.

  > Sua origem n?o o credencia, nem suas virtudes e capacidades mostradas até o momento, se é que podemos entender assim – continuou Otenv com o prazer em sua voz. - Que se afaste, se n?o há nada que o credencie – falou, voltando sua aten??o para Tenebe.

  Adanu relaxou, vendo a face tranquila do menino nefelin.

  – Por hora o confronto está afastado – suspirou.

  - Meu nome é Uivo – falou o nefelin com tranquilidade e nobreza, adiantando-se ao pajé, que o olhou com repreens?o. – N?o foi minha inten??o atrapalhar o conselho – disse respeitoso. – Apenas me distrai, pelo costume de observar o meu mestre. Sou um aprendiz, senhor. Pe?o permiss?o para me afastar.

  Dene-dene o examinou profundamente, surpreso com a for?a do menino.

  - Claro, meu jovem. Você é aprendiz de um mago, n?o de um conselheiro nem de um observador. Ent?o pode observar como os outros, mas n?o como conselheiro – Dene-dene falou tranquilamente, fazendo sinal para que ele se afastasse.

  Tenebe virou-se para o rapaz, que baixou a cabe?a em cumprimento ao conselho.

  Com tranquilidade Uivo recuou até uma peroba onde ficou encostado, observando com muita aten??o.

  Depois de alguns minutos de silêncio a tens?o pareceu se dissipar. Todos ignoraram a presen?a de Uivo e as vozes foram se alteando levemente.

  O burburinho foi crescendo, inflamando os seres. As quest?es do que fazer rapidamente foram escoando para dentro da floresta. Em pouco tempo mais e mais pessoas e animais e homens e nefelins chegavam ao local, alguns dispostos a contribuir, a maioria afoita para observar, e muitos desesperados para se mostrarem. O alvoro?o, alegre apesar de preocupado, era intenso. Vozerios nasciam e se dissipavam em ondas e bolhas enquanto mais habitantes das florestas e descampados e águas iam se ajuntando, dando mais trabalho para os oradores. A guerra dominava as mentes e todos queriam sugerir estratégias para combater os thianahus famigerados.

  Dene-dene pigarreou, chamando a aten??o de todos, quebrando a tens?o crescente e perigosa. Como se estivesse pesado demais se levantou e encarou os presentes.

  - Guerra, guerra... Sim, parece que a verdade é que a guerra realmente chegou - falou dirigindo-se ao conselho de guerra e aos presentes. – Invadiram nossas terras, atacaram nossos povos, os tornaram prisioneiros. E eles continuam a avan?ar, a tomar nossas terras. Temos que pensar em como pará-los, num primeiro e urgente momento, para depois empurrá-los de volta para suas montanhas denteadas, escuras e frias, e vencê-los.

  - Como? - irritou-se um lobisomem levantando a voz enquanto se arqueava em toda sua altura e arrepiava os pelos vermelho-fogo ao longo das costas. - Demorar é um erro... Está dizendo que temos que ir devagar? Essas terras n?o s?o deles! Eles têm que movimentar tudo de que precisam, e n?o nos conhecem t?o bem. Aqui a vantagem é nossa - falou com as terríveis presas à mostra. - Pois eu lhes digo que a melhor defesa sempre foi o ataque. Num grande ataque...

  - E quem disse que n?o é? - sorriu Dene-Dene apaziguador, interrompendo-o.

  - Concordo com ele - apartou um Atandé tornando-se um pouco mais translúcido. - Eu digo que o melhor seria montarmos um comando e dirigi-lo diretamente para o cora??o deles. Para vencer precisamos chegar ao cora??o deles, destruir sua alma. Na guerra dosvivos foi um ataque em sua cidade principal que os fez recuar, que os devolveu para as montanhas.

  - Um grupo pequeno seria facilmente dizimado – avisou uma sedenerá.

  - N?o deixa de ser uma op??o, com a aten??o deles em outros locais... - Dene-Dene deu um sorriso e fez uma pausa enquanto sondava as caras que o observavam. - Mas, em minha opini?o, eu entendo que devemos, antes de tudo, pensar em como bloquear o avan?o deles, recha?ar o exército que já está sendo ajuntado nas bases das montanhas, numa prepara??o para nos invadir, como bem viram no cristal - observou. - Acho que sentiram que precisamos dar combate a eles, e bem rápido, impedindo que, ao abocanhar nossas terras, liberem os sombras e os mantas sobre elas.

  Vozes e urros se levantaram, tornando o ar ainda mais carregado.

  O tempo pareceu se esticar e se comprimir.

  Por muito tempo planos foram sugeridos e descartados, para serem recuperados e novamente descartados. Havia um alvoro?o, um burburinho elétrico no ar. Em muitos momentos alguém do conselho se levantava e acalmava os animos, direcionando-os para o problema da invas?o. Mesmo assim, em três ocasi?es, houve confronto violento, sendo um deles entre um nefelin e uma pessoa, onde os dois saíram muito feridos. Manter os animos controlados estava exigindo muito esfor?o, e n?o só do conselho.

  - é uma solu??o muito perigosa - reclamou com veemência MassaFúria, sobre a ideia que parecia exercer grande fascínio sobre boa parte dos que estavam ali, que era a de atacar de vez com todas as for?as disponíveis.

  - Uma temeridade - refor?ou Uivo, o jovem nefelin, falando com tranquilidade.

  Adanu levantou a cabe?a e observou com cuidado o jovem guerreiro; o corpo poderoso e os olhos decididos e tranquilos de um líder natural. Imediatamente houve silêncio, todos se voltando para o jovem, que continuou impassível.

  > N?o os conhecemos, n?o conhecemos suas armas; o terreno também é estranho para a maioria de nós, ao contrário deles, que já nos sondaram, conhecendo nossas fraquezas e nossas for?as, como já sondaram e conhecem a regi?o. Vocês viram o condor, vocês viram o que as harpias nos trouxeram. Apesar de nos dar uma amostra deles, n?o podemos ceder à tenta??o de atacá-los às cegas. Eles est?o organizados e parecem enxames nas montanhas. Já pensaram que podemos estar sendo levados para uma armadilha? Já pensaram que podemos estar sendo levados a pensar em fazer o que nos determinaram fazer?

  - E o que o jovem nefelin aconselha? - desafiou um lobisomem com ar de desprezo, que n?o surtiu qualquer efeito sobre o rapaz, mas fez com que vários olhassem desafiador para o solitário nefelin.

  - Organizar os guerreiros que os est?o combatendo, como se fossem muros a frear seu avan?o. Precisamos ganhar tempo para podermos montar mais muros protetores, arrumados como uma série de cercas de contens?o ao longo do caminho natural, caminho que, aliás, podemos fazer com que tomem, no entorno do alagado, de tal forma que se uma linha cair os invasores ser?o surpreendidos com mais muros. Também podemos emboscá-los, apresá-los,... aumentar nosso conhecimento sobre o inimigo.

  - Ent?o? - debochou uma anaquera.

  - Ent?o, quando nós estivermos mais fortes e preparados, e quando eles se sentirem abalados e receosos de nós, aí ent?o iremos atacá-los e destruí-los de encontro às montanhas de onde n?o deviam ter descido.

  - Essa é a estratégia de um covarde – debochou o lobisomem. - Mas isso é compreensível, n?o é mesmo? Se nem pantera de verdade você é...

  Adanu sorriu, seus olhos totalmente fixos no jovem nefelin.

  Um silêncio carregado de expectativas caiu sobre tudo, a maioria torcendo por confus?o, desejosos de um combate.

  Adanu olhou para Tenebe e percebeu um pequeno sorriso pendurado no rosto, sinal de quanta confian?a o velho humano tinha no jovem.

  Ent?o seus olhos passaram por todos, vendo que estavam presos no nefelin. Passou-os por Allenda, vendo que também ela estava atenta ao jovem.

  Também ficou a observá-lo com interesse.

  Uivo estreitou os olhos e fixou-os diretamente no lobisomem. Sem qualquer hesita??o caminhou lentamente até ele, que desembainhou as garras e tomou uma postura de ataque, os pelos das costas arrepiadas.

  O velho mago humano abriu mais o sorriso e deu de ombros.

  - Quanto a eu ser uma pantera ou n?o, n?o importa, a n?o ser para você, caso veja inc?modo nisso – falou com tranquilidade, os olhos fixos nos do outro. - Quanto à estratégia ser de um covarde, digo que n?o, n?o é! Essa é a estratégia de quem espera que os entes, e os animais e os nefelins e os homens livres continuem livres, senhores de seus destinos. Essa é a estratégia de quem espera o momento certo para atacar e destruir, simplesmente porque trabalhou para que esse momento existisse. Atacar por atacar seria a atitude de um inocente, ou de um demente. Acho que esse n?o é o seu caso, n?o é mesmo?

  Ante os olhos tranquilos e decididos do nefelin o lobisomem ficou desconcertado e acabou por se apaziguar, e o ar de confronto amainou. Dene-Dene e MassaFúria olharam satisfeitos para o jovem, que se afastava do lobisomem e retornava para junto da árvore onde estivera.

  Allenda, que a tudo seguia com tranquilidade, tirou os olhos do nefelin e prestou aten??o em Adanu, e viu que havia admira??o nos modos dele. Deu de ombros, voltando sua aten??o para a assembleia, conferindo a rea??o de cada um.

  Vendo que nada de interessante aconteceria, perdeu o interesse.

  - Concordo com o estranho humano. Precisamos de tempo para conseguirmos nos organizar, ao menos, o minimamente possível - ouviu-se a voz inconfundível, para surpresa de todos, de um anaquera.

  Uivo sorriu, satisfeito. Agora havia um ente, tomando para si a defesa de sua ideia. Em silêncio se recostou novamente na peroba e ficou observando. Sugest?es foram se sobrepondo, até que Uivo percebeu uma tens?o enorme no ar, e um respeito que n?o havia visto até ent?o.

  Era Otag, tinha certeza. O mesmo Otag que participara da primeira guerra contra os dem?nios da montanha, o mesmo Otag que desceu enraivecido a montanha para exigir repara??o de seus antigos companheiros que haviam abandonado muitos dos seus sobre as montanhas dos dem?nios; o mesmo atandé que atacara o conselho daqueles recuados dias.

  Com interesse seguiu seu raciocínio sobre a tática que encetara naqueles velhos dias, e sua aceita??o para fazer parte do atual conselho de guerra.

  O dia avan?ou ainda mais, e a reuni?o foi dada como finalizada.

  Pensativo, Uivo se juntou a Tenebe.

  Ao pressentir um movimento ao lado ele se virou, e deu de cara com Allenda. Girou um tantinho o rosto e viu Adanu, que vinha ao encontro da filha. Ficou confuso quando o viu parar e ficar observando, uma estranha curiosidade presa no rosto. Voltou-se novamente para Allenda.

  Adanu vira o exato momento em que ela se encontrou com Uivo. Ele estava distraído, conversando com Tenebe, quando ela passava bem ao lado. Por acaso ele se virou, e deu de cara com ela.

  Os dois pararam, os olhos fixos.

  Adanu viu Uivo ficar sem qualquer rea??o, parado, o olhar perdido, a respira??o suspensa, como se tivesse sido transformado em uma estátua. Parecia que os olhos da flor-do-mato prendiam sua vontade, prendiam sua alma.

  Mas Allenda também o observava, absorta, abandonada, uma outra estátua abandonada.

  Adanu retomou a caminhada e se aproximou do grupo. Após trocar olhar com Tenebe os dois se afastaram, ambos com um sorriso maroto no rosto.

  Com tranquilidade sentaram sobre um cupim, os olhos avaliando os dois.

  - O que acredita que eles est?o fazendo? – Adanu perguntou divertido para Tenebe.

  - Isso vai ser complicado – riu Tenebe.

  - Ora, e por que seria? – estranhou Adanu.

  - Porque s?o dois guerreiros muito fortes. Acho que v?o se estranhar no come?o – riu Tenebe novamente.

  - Veja – Adanu apontou para seu lado direito, perto da primeira costela.

  Tenebe já a vira muitas vezes, como as outras marcas de ferimentos de Adanu. Aquela parecia ter sido feita por uma faca muito afiada.

  - N?o me diga que foi um presente de Bella – riu surpreso.

  - Sim, dela. E tenho muitas outras em mim.

  - Aposto que ela também tinha algumas marcas...

  - Ah, sim, claro. Algumas marcas de queimaduras, pontas de flecha e... E muitas outras – sorriu saudoso. – Foi por muito pouco que n?o deu certo... – suspirou.

  - Acho que isso n?o teria sido possível, meu amigo. Eu me lembro de vocês dois. Destino tem dessas coisas, de brincar.

  - Quem sabe esse seja o destino deles?

  - Sim, seria bom. Fazem um belo casal.

  - S?o sim... Altos, fortes,... e as almas s?o muito bonitas.

  Tenebe se virou, satisfeito, encarando os dois jovens.

  - Isso que estamos vendo é... promissor, n?o é mesmo?

  Adanu observou a filha, e depois o humano.

  - é, é sim... – suspirou.

  Ent?o prestou mais aten??o em Uivo, e n?o pode deixar de sorrir pelo jeito do menino. Ele estava visivelmente desesperado.

  - Sabemos que o tem como um filho. é palpável que você o admira, n?o é mesmo?

  - Sem dúvida! Eu o criei. Sei do que ele é capaz. Ele tem muito valor.

  - Como futuro pajé?

  - Ah, isso nunca vai acontecer. Ele é um guerreiro...

  - Que assim seja ent?o, meu amigo. Quem você acha que vai acordar primeiro?

  - Hummm... Quem você acha?

  - Allenda... Ela está no controle. Ele está agindo como ca?a.

  - Concordo... – riu Tenebe. – Mas, ele vai aprender logo...

  - Tomara... Ah, olhe só – Adanu chamou aten??o para os dois.

  Allenda mexeu a cabe?a levemente, e despertou. Ela tossiu suavemente enquanto seu rosto se avermelhava um tantinho. Uivo despertou também, e sorriu sem jeito. Distraído, p?s sua aten??o no ch?o, que remexeu com um pé. Quando levantou os olhos Allenda tinha ido. Ele se virou e a viu com o pai e Tenebe. Ele ficou olhando-a, distraído, esquecido. Ent?o ela virou o rosto e o observou.

  Ele sentiu seu cora??o crescer e seu cérebro ser socado. Tudo aquilo era novo, e muito gostoso, sentiu. Respirou profundamente, sua mente girando. Ficou um tanto constrangido ao ver que Tenebe se despedia e se aproximava com um sorriso indecente no rosto. Em poucos segundos imaginou perigos inimagináveis, e ele a protegia; imaginou que a surpreendia com suas capacidades e... Ent?o suspirou novamente. Ela era uma guerreira incrível, pelo que ouvira dizer. Ele era apenas mais um nefelin.

  - Ent?o, acorde – falou Tenebe, dando-lhe um tapa no bra?o. – Aposto que nem sabe o que te aconteceu, n?o é mesmo?

  - Ora, eu... Ela tem olhos incríveis e... Acho que foi...

  - Isso se chama toque, Uivo. Toque, toque na alma... Isso é raro. – Mas, isso fica pra depois. Vamos, temos que conversar – falou divertido, levando-o pelo bra?o.

  Adanu olhou para Allenda, em pé ao seu lado, que observava distraidamente o nefelin se afastando em companhia do velho humano.

  - Ent?o, filha... – falou chamando sua aten??o. - Se n?o fosse a guerra, voltaria?

  Allenda suspirou. Saindo de seus pensamentos fixou um olhar doce nos olhos do pai.

  - Sabe, pai... A saudade vinha aumentando, saudades dessa terra, saudades de você. Eu sabia que meu tempo estava para mudar. O chamado apenas confirmou que eu estava pronta.

  - Que bom, filha. Que bom... Vamos para casa? Acho que precisamos conversar muito, filha... Eu quero saber de tudo o que te aconteceu.

  - Também quero saber de você, meu pai... – concordou, acariciando suave a cabe?a de fogo do ArrancaToco. - De você, dessa terra, dessas gentes... – concordou ajeitando a aljava e o arco. Depois, tomando o bra?o do pai, falando baixinho e rindo de felicidade entraram na mata, que pareceu suspirar enquanto as copas douradas esmaeciam no sol que se punha do outro lado do vale.

  Sobre as diversas espécies de pessoas, favor consultar ANEXOS, ao final deste livro.

  A marcha das harpias, bem como outros atos pra obter informa??o sobre os invasores, podem ser encontrados nos volumes “OS DANATUáS”.

  Como eram chamados os que moravam sobre as altas montanhas a oeste.

  Para maiores informa??es sobre essa passagem, vide os volumes “OS DANATUáS”.

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