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A QUEDA DE UMA DEMIANA - quinta era

  Eu desejei ser o mais amado, errado que fui. Nada me diferenciava dos meus irm?os. Por que me deixei enganar?

  éfrera era uma demiana. Ela fora uma guerreira renomada nas hostes angélicas que combateram os rebeldes na quarta era, até ser convencida de que Tup? se fora e que outros sem merecimento buscavam ocupar o trono vazio e ditar regras vazias. Era alta e esguia, os olhos vívidos e alertas.

  Com um movimento decidido, do branco que se vestia desde os velhos tempos alterou para tecidos de sombras em vários tons, um vestido diáfano e longo que a envolvia, descendo dos ombros em tiras que se abriam para ocultar os seios. Uma larga tira negra como breu cingia sua fina cintura, e às costas a aljava e o arco trespassando o tronco. Na cintura a espada, e um pouco para as costas, de cada lado, as bainhas dos punhais, que também tinha escondido nos tornozelos e nas coxas, sob a saia.

  Tudo nela transpirava à morte, confirmou com um sentimento de rebeldia e desafio.

  - Se me acuaram várias vezes de que sou fria e de poucas palavras, principalmente para os que vejo que a vida se acabou, ent?o darei raz?o – sibilou baixinho, girando os olhos pela paisagem que tanto a desgostava.

  éfrera levantou os olhos para o céu vermelho, se lembrando de quando, alguns dias atrás, também caíra, juntamente com centenas de outros. Por todo seu corpo ainda podia sentir a brusquid?o do impacto. Por um momento se deixara assim, meio enfiada na terra. Em seu corpo a sensa??o estranha da granula??o da terra era algo difícil de definir, que ficara a perceber. Sabendo o que acontecera se levantara lentamente, os olhos se voltando para o céu, se perguntando por que o Trov?o agira daquela forma, afastando-os de sua presen?a, afastando-a de sua consciência.

  Com um certo peso observou anjos e anjos, em variadas formas assumidas descendo dos céus, alguns como colunas de luz, já n?o t?o vivazes quanto antes; outros muitos em forma humana, enquanto que a grande maioria se mostrava como mantos de um branco fosco.

  Alguns poucos vinham resignados, pousando suavemente no ch?o do planeta, enquanto outros impactavam a terra com for?a, como que para mostrarem o quanto estavam desgostosos com isso, tal como ela em sua queda. Suspirou sentida, abrindo as asas e alongando com lentid?o o corpo, sentindo aquela dimens?o extremamente pesada e malcheirosa.

  Suspirou fundo, a face tensa, receosa de pensar, de encarar o que acontecera.

  E, desde aquele dia, sempre voltava àquela montanha, de onde ficava vendo quedas e mais quedas de anjos. Agora eram mais raras, mas ainda via anjos caindo.

  Do céu dezenas se precipitavam, chamas solitárias e tristes, luzes em despedida enquanto caiam para a escurid?o em que eram exiladas.

  Muitos penetravam a terra como se ela n?o existisse, enquanto outros se batiam contra as montanhas e vales onde abriam imensos sulcos e crateras. E havia outros ainda que se dissolviam antes mesmo que tocassem o solo, enquanto alguns outros apenas desciam suavemente ao ch?o, poderosos e magoados. Talvez a diferen?a seja o que revolve nossa alma, o quanto revoltados estamos, pensou, avaliando, tentando encontrar um sentido para tudo o que via e sentia.

  De repente, sentindo que era observada, voltou sua aten??o para a direita. Num monte um pouco distante viu um enorme anjo, que a observava com interesse. Estranhou quando ele abriu as asas um pouco e a cumprimentou, o rosto desenhando um sorriso alegre e pensativo.

  Ela ficou observando discretamente o anjo, se perguntando se o conhecia. Notou que nele havia uma paz dolorosa e pensativa.

  Por fim resolveu ignorá-lo, examinando com tristeza os arredores.

  Subitamente viu um anjo crescer sobre um grupo de homens. Ele estava confuso, era fácil de perceber. Com indiferen?a o viu notar a presen?a dos homens, e trucidá-los com terrível rapidez.

  Com a mente pesada voltou novamente os olhos para o alto, seguindo outros anjos que caiam na tarde que avan?ava.

  Sem demonstrar qualquer sentimento viu vários dos que haviam caído se elevando no céu para reiniciar os combates, mas percebeu que eles agora pareciam muito diferentes dos anjos que haviam sido. Com terrível rapidez os viu serem vencidos e lan?ados novamente contra a terra.

  Desanimada desfraldou as asas e partiu, se recolhendo na pequena caverna em outra montanha mais ao norte que, por enquanto, entendia ser um lar, tendo o cuidado de sustentar a mente o mais vazia possível, como uma forma frágil de manter a dor numa intensidade suportável.

  No dia seguinte, bem cedo, voltou ao lugar. Ver seus irm?os caindo era como uma forma de penitência, que parecia ser um jeito de calejar sua alma pelo destino que escolhera para si.

  Durante a noite tentara n?o ouvir, mas n?o tinha como, os sons de batalhas distantes, de lamentos e gritos à distancia n?o cessavam, e adormeceu assim, no meio de tudo aquilo, tudo penetrando em seus sonhos, lembrando-a das próprias batalhas que tivera, inutilmente acreditando que poderia for?ar seu retorno para o alto. Quando despertou parecia que o sono n?o restabelecera completamente suas for?as.

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  Varrendo os arredores viu novamente o anjo que cismara magoado ao longe sobre um monte no dia anterior, agora sentado na beira de um regato, o corpo parecendo muito mais judiado do que antes parecera. Ele transmitia paz, ali pensativo, a aten??o no céu que se iluminava.

  Assim que ele a viu cumprimentou-a efusivamente, tal como no dia anterior. éfrera apenas abanou a cabe?a levemente, e voltou a se concentrar no que ocorria no céu.

  A noite já se anunciava, com as batalhas ainda ocorrendo.

  - Essa já é a terceira tentativa, n?o é? – ouviu o anjo do regato perguntar para um outro, que caíra a alguma distancia dele.

  éfrera, curiosa, prestou aten??o. Um anjo se levantava da encosta verdejante da montanha ao lado, os olhos presos no céu, se preparando para nova tentativa.

  - A quarta, hoje – ouviu em resposta.

  - Mentira dele. é a terceira vez mesmo – desmentiu um outro, que também se erguia de dentro do vale onde o regato corria.

  Foi ent?o que éfrera percebeu algo diferente: havia pouca mágoa naquelas vozes. Era como se estivessem se divertindo com essas tentativas. Percebendo isso, prestou mais aten??o ao trio.

  - N?o adianta subir – ouviu o anjo do regato gritar como que um aviso debochado para os dois. - Em cada queda vocês se enfraquecem e ficam ainda mais pesados, porque se afundam nessa matéria.

  - Mas essa matéria é muito nojenta e pegajosa. Olha só como gruda – ouviu um grito em resposta de algum lugar, na paisagem que já se perdida nas sombras mais pesadas. éfrera desconfiou que deveria ser do que se elevara da face da montanha. N?o teve como n?o sorrir, ao notar que havia um certo divertimento na voz que gritara.

  Era até bom saber que alguns, apesar da desdita, ainda mantinham algum senso de humor.

  - é, meu amigo. Você vai ter que se acostumar – ouviu novamente o anjo do regato.

  - A gente sabe – ouviu vindo de um lugar mais abaixo, junto com uma suave risada.

  N?o demorou e ouviu novamente o ecoar grave de armas se batendo e corpos trombando com a terra.

  - Ara... – ouviu algum tempo depois. – Por hoje já cansei. Se n?o achar nada melhor amanh?, tento outras vezes.

  - Estou de acordo – ouviu o outro em resposta.

  Ent?o o som de asas, e soube que os dois anjos se iam.

  - Boa divers?o para vocês, ent?o, se a gente n?o se ver mais – despediu-se dos dois o anjo do regato.

  éfrera ouviu apenas gritos de satisfa??o se desfazendo no ar, logo seguido de um grande e pesado silêncio. Por aquela noite, tudo parecia ter acabado.

  Ent?o pensou no anjo do regato, porque vira que ele realmente parecia se preocupar com os outros. Devagar se sentou no monte. Encolhendo os joelhos contra o peito se fechou dentro das asas, uma tristeza profunda se confundindo com uma estranha paz.

  As horas avan?aram distraídas, até que percebeu que o dia raiava. Com extrema lentid?o abriu as asas e se levantou, vendo que alguns anjos come?avam a cair, pela retomada das batalhas no céu, enquanto outros mais se lan?avam para cima.

  - Está difícil para eles aprenderem, n?o é mesmo?

  A demiana n?o se virou. Sabia que o anjo do regato se aproximava. Com desinteresse o observou vir em sua dire??o, calmamente caminhando monte acima. Inspirou lentamente, sabendo que aquela era a sua inten??o desde a primeira vez, quando ficara observando-a de longe.

  - Aqui é nossa jaula – falou, tentando n?o demonstrar qualquer sentimento. - Tanto faz aceitarmos isso ou n?o.

  - ééé, você está certa, demiana. Meu nome é DasEdrel – se apresentou, parando ao seu lado, os olhos voltados para o alto.

  - Que bom para você... – falou descendo a pé o monte, tomando o caminho para longe dos homens que gritavam em desespero enquanto mais anjos se levantavam nas proximidades.

  - E o seu, demiana? – perguntou o anjo tomando o caminho ao seu lado.

  - Ainda n?o me decidi – falou sem se voltar para ele.

  - Ora, se é assim, ent?o eu vou te escolher um. O que acha?

  - Aquele que escolher em nada me representará. Ent?o, espero que n?o o fa?a – falou parando e se virando para encarar o anjo.

  Ele tinha o aspecto de um homem, e seu rosto e os bra?os pareciam marcados por muitas cicatrizes, e sua armadura estava também bem judiada. E as asas também n?o estavam com um bom aspecto.

  > N?o consegue curar seu corpo?

  - Ara, gosto assim. Marcas que cultivo – justificou com um largo sorriso satisfeito.

  - E as conseguiu como? Tentando voltar?

  - Ah, n?o. Estou bem aqui, por enquanto. Mas, alguns descem com tanta dor, que precisam ser contidos para n?o se causarem ainda mais queda. Eles parecem meio enlouquecidos, e brigam bastante – sorriu.

  A demiana ficou cismando. Em toda aquela loucura ainda havia alguém que se interessava pelos outros. Que bom, suspirou.

  - Sua aparência está bem judiada...

  - N?o tanto quanto a sua, demiana. Eu estou bem...

  A demiana o observou com mais interesse. Por fim, acabou dando de ombros.

  - Que bom que vive bem com isso, com essas marcas, tal como eu com as minhas. Mas, te sinto diferente. Desceu em qual queda?

  - Eu n?o fui lan?ado – esclareceu. – Escolhi descer, como muitos outros.

  - Um AsaLonga – nomeou.

  - Soube que alguns nos chamavam assim, mas aceito. Melhor que AsaCortada. AsaLonga até que é bom...

  - Nem tanto. Isso diz que vocês s?o os curiosos idiotas – sorriu. – Tal como os AsasCortadas.

  - N?o foi o que ouvi. AsaLonga quer dizer “aquele que exerce a vontade”, enquanto que AsaCortada apenas diz “aquele que procura experiências...”.

  - Idiotas?

  - N?o, enriquecedoras...

  - Pois é, idiotas, foi o que eu disse – riu sem muita vontade. – Bem, fazer o que, né? Apenas defini??es ent?o... Mas, para mim, vocês s?o loucos. Descer para essa terra miserável – debochou, retomando o caminho.

  - Depende muito do que está procurando. As experiências que se podem ter aqui, se aprender a aceitar essa possibilidade, s?o enormes. N?o há puni??o, demiana, há sempre oportunidades. Eu estou aqui, e você está aqui. A puni??o ou n?o parece que está em nossas mentes, n?o é mesmo?

  Com um sorriso amigável o viu se elevar mansamente, rumando para o sul.

  éfrera parou no caminho. Pensativa ficou seguindo uma nuvem branca como um floco de neve, as palavras ecoando suaves em sua mente: A puni??o ou n?o parece que está em nossas mentes, n?o é mesmo?

  AsasLongas s?o anjos que desceram à terra por vontade própria, para ver a experiência por si mesmos. Já, os AsasCortadas s?o AsasLongas que mergulharam na experiência, sem encarnarem como pessoa ou homem, e perderam a capacidade de se elevar para outras dimens?es, a imortalidade e a possibilidade de abandonar o planeta, dentre outras capacidades e habilidades.

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